segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Coleção de Crônicas | Segurança


Pela primeira vez aqui no Livros & Cinema, Luís Fernando Veríssimo chega em alto estilo. Em sua crônica Segurança, o famoso autor deixa claro uma crítica tanto à criminalidade como ao excesso de proteção ao qual estamos submetidos. Vale a pena ler, para percebermos a realidade das cidades em que vivemos- e da vida que levamos, onde os protegidos passam a ser caçados. Abaixo, leiam a crônica!

Segurança
Luís Fernando Veríssimo

O ponto de venda mais forte do condomínio era a sua segurança. Havia as mais belas casas, os jardins, os playgrounds, as piscinas, mas havia, acima de tudo, segurança. Toda a área era cercada por um muro alto. Havia um portão principal com muitos guardas que controlavam tudo por um circuito fechado de TV. Só entravam no condomínio os proprietários e visitantes devidamente identificados e crachados.
Mas os assaltos começaram assim mesmo. Ladrões pulavam os muros e assaltavam as casas.
Os condôminos decidiram colocar torres com guardas ao longo do muro alto. Nos quatro lados. As inspeções tornaram-se mais rigorosas no portão de entrada. Agora não só os visitantes eram obrigados a usar crachá. Os proprietários e seus familiares também. Não passava ninguém pelo portão sem se identificar para a guarda. Nem as babás. Nem os bebês.
Mas os assaltos continuaram.
Decidiram eletrificar os muros. Houve protestos, mas no fim todos concordaram. O mais importante era a segurança. Quem tocasse no fio de alta tensão em cima do muro morreria eletrocutado. Se não morresse, atrairia para o local um batalhão de guardas com ordens de atirar para matar.
Mas os assaltos continuaram.
Grades nas janelas de todas as casas. Era o jeito. Mesmo se os ladrões ultrapassassem os altos muros, e o fio de alta tensão, e as patrulhas, e os cachorros, e a segunda cerca, de arame farpado, erguida dentro do perímetro, não conseguiriam entrar nas casas. Todas as janelas foram engradadas.

Mas os assaltos continuaram.
Foi feito um apelo para que as pessoas saíssem de casa o mínimo possível. Dois assaltantes tinham entrado no condomínio no banco de trás do carro de um proprietário, com um revólver apontado para a sua nuca. Assaltaram a casa, depois saíram no carro roubado, com crachás roubados. Além do controle das entradas, passou a ser feito um rigoroso controle das saídas. Para sair, só com um exame demorado do crachá e com autorização expressa da guarda, que não queria conversa nem aceitava suborno.
Mas os assaltos continuaram.
Foi reforçada a guarda. Construíram uma terceira cerca. As famílias de mais posses, com mais coisas para serem roubadas, mudaram-se para uma chamada área de segurança máxima. E foi tomada uma medida extrema. Ninguém pode entrar no condomínio. Ninguém. Visitas, só num local predeterminado pela guarda, sob sua severa vigilância e por curtos períodos.
E ninguém pode sair.
Agora, a segurança é completa. Não tem havido mais assaltos. Ninguém precisa temer pelo seu patrimônio. Os ladrões que passam pela calçada só conseguem espiar através do garnde portão de ferro e talvez avistar um ou outro condômino agarrado às grades da sua casa, olhando melancolicamente para a rua.
Mas surgiu outro problema.
As tentativas de fuga. E há motins constantes de condôminos que tentam de qualquer maneira atingir a liberdade.
A guarda tem sido obrigada a agir com energia.


Luís Fernando Veríssimo

E então? Uma incrível demonstração da nossa realidade! Vivemos hoje a mercê dos criminosos, e a única atitude que podemos tomar é nos proteger. Mas e quando essa proteção se volta contra nós? Luís Fernando Veríssimo, grandioso como sempre! É essa a Coleção de Crônicas dessa segunda! Espero que tenham gostado, e até amanhã!


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...